Gritar "Somos Porto" não basta

Quando comecei a ver futebol, as vitórias eram pintadas de azul e branco semana sim, semana sim. O Porto ganhava, ganhava, ganhava e eu lá festejava. Foi assim durante muitos e largos anos, o que me levou a conhecer o sabor da vitória no Campeonato, na Taça, naquelas Supertaças a que assistia com os meus pais num dos vários cafés espalhados pela costa algarvia e até (que luxo!) na Liga dos Campeões, Liga Europa e Campeonato do Mundo de Clubes. É com muita satisfação que digo que a única coisa que não sei festejar é a Taça da Liga.

O Porto ganhou muito, eu festejei muito e, ao mesmo tempo, sempre pensei que haveria um dia em que os festejos se distribuiriam um pouco mais. Não ser hipócrita é o mais importante no desporto: umas vezes ganham uns, outras ganham, bem, outros. Sempre assim foi, sempre será e ainda bem. Porque a imprevisibilidade no início de cada época é o que a torna fascinante e sem rivais nenhuma equipa seria equipa. Agora que tenho este ponto esclarecido, vou ao que verdadeiramente interessa: dentro do não ganhar, há vários níveis.

Até agora, o Porto que tantas alegrias me deu passava por curtas fases em que não ganhava porque tinha adversários que simplesmente conseguiam ser melhores em determinados fins de semana, eliminatórias ou finais. Mas o Porto dos dias de hoje é outro. É um Porto sem identidade, sem mística, diferente de si próprio. É isso que me aborrece. Não a falta de títulos -- acreditem quando vos digo isto, ou não fosse eu um seguidor apaixonado do Liverpool (e penso que isto basta para vos fazer ver que as minhas palavras são sinceras) -- mas sim a falta da identidade que tão bem nos definiu nos últimos anos.

Gritar "Somos Porto" não basta. E dizê-lo num balneário não é suficiente para ser o escolhido para liderar a equipa depois de três anos menos felizes. A estupidez numero 1? Toda a confiança depositada em Lopetegui, claro. A segunda? Retirá-lo numa fase em que ainda estava na calha de conseguir, à segunda época, o objetivo que na anterior tinha estado tão perto de concretizar. O terceiro? Colocar José Peseiro no seu lugar. Se era para causar um abanão na equipa, que fosse um abanão a sério, e não um pseudo-choque psicológico. O quarto e pior de todos? Escolher Nuno Espírito Santo para liderar a equipa principal (e ainda me dói cada vez que escrevo estas palavras).

Agora que já passaram vários meses continuo sem encontrar palavras que seja de que forma for façam esta decisão parecer minimamente acertada. Não é só culpa tua, Nuno. A verdade é que nem nos teus tempos de guarda-redes gostei de ti e isto não é culpa tua. Deves saber do que falo: às vezes, de forma inconsciente, não gostamos de uma pessoa. Não há razão aparente que o justifique, simplesmente não gostamos. E isto, claro, não ajudou em nada quando foste escolhido para treinador da equipa principal. Mas aquilo de que escrevo hoje já vai muito para lá da opinião irracional que tinha.

Vejo um Porto a desperdiçar-se. Um Porto a poder brilhar e não o fazer. Vejo, lá está, um Porto a fugir à sua identidade. A reinventar-se jogo após jogo, a deixar de fora aqueles que mais poderiam ajudar em noites difíceis (três empates numa semana, que significam o adeus à Taça, o complicar e muito da situação na Liga dos Campeões e uma desvantagem de sete pontos no campeonato e Brahimi nem ao banco é chamado?! E o João Carlos Teixeira, que saiu de um histórico europeu para vir brilhar no Dragão e nem para a Taça foi chamado?) e a ficar cada vez mais desnorteado.

Vejo, acima de tudo, um Porto perdido. Perdido em discursos, em promessas de vitórias que não se cumprem, em falhanços embaraçosos atrás de falhanços. Não estou a pedir títulos, caramba. Estou a pedir exibições à Porto, que nos façam sorrir acabem bem ou mal e que nos deixem cada vez com mais vontade de ligar a TV ou ir ao estádio no fim de semana seguinte. Essa foi a minha mística durante mais de uma década, quando ganhávamos e quando perdíamos. Porque era bonito ver o Porto jogar e só isso me interessava. Agora? Agora é um Porto confuso que precisava de voltar a ser Porto. Que precisa de (re)agir. Gritar "Somos Porto" não basta.

0 comentários: